No outro dia, abri o meu Facebook e dei de caras com uma foto de uns fantasma de um dia já passado a algum tempo……
Esta fotografia acusou-me uma certa estranheza, mas sinceramente não me incomodou. Naquele momento, o que me veio à cabeça foi a roupa velha e já usada e que já não me servia.
Resolvi abrir o rádio e estava a passar a música I Will Survive da Gloria Gaynor, que adoro, sentei-me e fiquei a ouvir durante algum tempo aos berros, na verdade a plenos pulmões, diante dos olhares arregalados dos meus cães e gatos.. Pensaram esta enlouqueceu, coitada!!!
Como também existem aqueles livros clássicos, que podem ser lidos em qualquer momento e continuam atuais, há músicas que são assim também, como esta, I Will Survive !!!!!. Fiquei a pensar, como é grande a nossa dificuldade em lidar com a tal da impermanência das coisas, ou, falar claramente, sobre como as coisas se transformam a cada segundo, sobre como a vida é um fluxo, como dizia um filósofo, que não me lembro o nome., mas sei o que disse:
“Presentemente a mente, e o corpo são diferentes, e o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Acho que esta frase tem que ser fixada na porta da sala, do quarto e em várias portas de várias casas….. Eu acrescento na frase mais um item: o Mundo.No presente, a mente, o corpo e o mundo são diferentes e o passado não nos serve mais.
É relativamente fácil para nós visualizarmos esse passado como sendo a nossa roupa velha que já não nos serve mais, quando se trata de algo realmente antigo, como itens da moda que não se usam mais, fotos de muitos anos atrás ou quando falamos de algumas expressões “do arco da velha” por exemplo, quando o meu filho olha para mim e me dizes oh! Mãe tu não vês que já não tens idade para essas coisas?
No entanto, podemos afinar
um pouco mais esse pensamento, aumentar um pouco o nosso foco e tentar encontrar o fluxo certo. E diz quem
sabe, “ninguém pode entrar duas vezes no
mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas
águas, e o próprio ser já se modificou”.
Eu sei que a transformação ocorre segundo a segundo, em nós e no mundo. A pessoa que está a escrever aqui ( eu ) não é
a mesma que começou a escrever este texto ontem, nem tão pouco a mesma do
momento em que alguem o vai ler .
Gosto de pensar naqueles
vídeos com sequências de fotos tiradas diariamente, por muito tempo seguido, em
que vemos em poucos segundos as transformações que levaram meses ou anos para
ocorrer. É assim que acontece, o tempo todo, só que de uma forma mais lenta.
À poucos dias alguém me disse a D…. não sente, nem vê, mas eu não posso deixar de lhe dizer, que uma nova mudança em breve vai acontecer !!!!!! Não sente, não vê, mas está mudando, transformando-se, segundo a segundo……. Pois acredito !!!!!! mas, apesar disso, insistimos em nos prender em conceitos, em crenças, em auto-imagens, e muita vez em traumas do passado. Tentamos colocar um alfinete fixando pontos, na tentativa desesperada de tentar parar o fluxo da vida, para termos onde nos agarrarmos, fixando verdades para nos sentirmos seguros. Mas o fato é que essa é uma falsa segurança, e sim , mais uma tentativa de tentarmos lidar com as incertezas e angústias da vida; tentativa bastante idiota, aliás: imagino muitas vez vários cenários, e um deles é uma pessoa andando sozinha agarrando-se a alguns pontos, mas não adianta, porque o cenário vem e destrói a sua segurança, e a sua verdade.
E agora, Nietzsche, adoro
Nietzsche, durante anos e anos revia-me nas suas palavras, bebia a sua escrita, as suas teorias …. ele dizia que temos o que ele chamava de “vontade de verdade” como mais uma
tentativa de negar a vida. Penso que tem razão. A vida é um fluxo de incertezas,
altos baixos, dores e alegrias, quedas, amachucamentos,
lágrimas e risos. Não podemos pôr um alfinete e fixar um ponto que desejamos,
apenas para nos sentirmos seguros e aliviados. A tão buscada verdade seria para
Nietzsche mais uma muleta metafísica. Procuramos às vezes de uma forma doentia
conceitos como “isto é assim”, porque não conseguimos lidar com o “isto está
assim” – mas pode (e provavelmente, vai mudar) .
Neste seguimento vem-me à
memória aquele famoso poema, de Allan Poe, o Corvo, que fala sobre o homem que
sofria de uma dor terrível pela morte de sua querida esposa e recebe a
visita de uma ave preta, um corvo, que diante do fato inexorável, a morte,
repete o tempo todo: nunca mais, nunca mais, nunca mais…Uih!!!!
O poema de Poe é triste e
coloca a ave como representação da inexorabilidade da morte, mas, vamos pensar
que esta morte não precisa necessariamente ser a morte física.
Tambem existe a música, onde o pássaro negro responde: “o passado nunca mais”. Nunca mais, “never more,” como no original de Poe. Nunca mais criança, nunca mais jovem, nunca mais virgem, nunca mais não sendo mãe, nunca mais os meus 18 anos, nunca mais os meus 30 anos, nunca mais a imagem que vi no espelho hoje cedo. Nunca mais.
Os ‘nunca mais’ se acumulam, se empilham. E às vezes eles se empilham tanto e ficam tão monstruosamente grandes que nos oprimem, nos sufocam, fazem uma sombra que nos confunde. Muitas vezes vemos a sombra do passado refletida no nosso futuro e acreditamos nela. Por isso, temos que nos lembrar sempre: nunca mais, é deixar ir. Dar espaço para o novo, gostar dele, sorrir para ele. O passado, bom ou ruim, querendo a gente ou não, sentindo insegurança ou não, desejando fixar um alfinete nele ou não, nunca mais, nunca mais….
E com tudo o que acabei de
escrever chego a uma conclusão e tem
de ser esta, quando vou tentar vestir
novamente aquele vestido velho, insistindo em achar que ele ainda me serve,
lembro-me logo do corvo e do poema de Poe, “não entra mais, nunca,
nunca mais!” mas, como costumo dizer, interrogando-me, as coisas transformam-se, e isso será bom ou mau? É a
Vida , não sei !!! Assim, quando estiveres a viver momentos muito alegres ou chegares a
conclusões confortáveis e fáceis de digerir, o corvo poderá aparecer e ser desagradável
ao lembrar –te que “nunca mais,” faz-te lembrar para os aproveitar bem, não ligues!!!!! mas quando estiveres passando por momentos de
dor e desagradáveis, em que o mundo esfrega na tua cara todas as injustiças e
desigualdades, o corvo te trará alívio ao repetir nunca mais, nunca mais…. Pensa
assim, talvez resulte….
E para terminar, o Mário Quintana vem em meu socorro para me
dizer:
“Nós vivemos a temer o
futuro, mas o passado é que nos atropela
e mata.”
Maria Dulce Horta
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